É vergonha pedir comida?

Do padre Orivaldo Robles:
Enquanto a mãe vivia, todos os domingos eu almoçava com ela e os de casa. Depois que morreu, mantenho o costume. Para preservar o que sobrou da família. Dos sete que mudamos para cá em 1957, sobramos quatro. Por quanto tempo ainda? Domingo passado, como sempre, minha irmã acompanhou-me até ao portão. Dois homens de média idade, maltrapilhos e barbudos, pediram comida. Não eram daqui, mas de Cianorte, disseram. Acrescentaram: “É melhor pedir que roubar”. Enquanto minha irmã voltava para lhes preparar o que tínhamos na mesa, dirigi-me a eles: “Não é vergonha pedir um prato de comida”. Agradeceram efusivamente. Notei que ficaram surpresos. Talvez ninguém lhes fale de modo amistoso. Anda muito confuso este nosso velho mundo. No passado, todos sentiam gosto em dar comida a um pobre. Mesmo que nunca tivessem ouvido o nome de Jesus, intuitivamente percebiam a correção daquele “Quem vos der de beber um copo d’água porque sois de Cristo, não ficará sem recompensa” (Mc 9,41). Ou daquele “Todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).
Mas isso é coisa do tempo do Onça. Em nossos dias, é diferente. De tanto assistirmos ou sofrermos a violência que campeia solta, agora olhamos para um pobre na rua com muito mais medo do que piedade. “Sei lá quem é esse sujeito e o que ele pretende?”, nos desculpamos. E pior é que não há como condenar quem assim pensa. Quantos casos nós já ouvimos de mendigos ou de pessoas humildes, que não eram senão bandidos disfarçados? Quem vai adivinhar? Mundo estranho esse em que nos toca viver. Enquanto me afastava, ia pensando no que tinha falado aos dois pedintes. Eu estava triste. Será que não é mesmo vergonha pedir um prato de comida? Ter que mendigar para comer? Onde fica a autoestima de um infeliz, faminto, que não encontra alimento? Não precisa ser nada sofisticado. Só o que ele deseja é um prato simples, quente, saudável. Um arroz-feijão com ovo já seria um banquete. Será pedir muito? Trata-se do essencial a qualquer vivente. Como ar puro, água limpa, higiene, saúde, liberdade, trabalho, moradia, roupa, educação, segurança, respeito... Como tantas outras exigências que, se não atendidas, não existe vida humana digna desse nome. Pode um homem ou uma mulher ter que implorar pela comida própria ou da família? Segundo Jean Ziegler, relator especial das Nações Unidas para o direito à alimentação, hoje no mundo se produz comida suficiente para doze bilhões de pessoas. Somos sete bilhões no planeta. Então, ninguém devia passar fome. Mas de cada oito habitantes da Terra, um passa fome. Quase um bilhão de famintos. Não com apetite, mas com fome. Aquela dor que torce o estômago e faz dobrar o corpo. Comida existe. Até sobra e se desperdiça. Mas fartura de comida não quer dizer acesso a ela. No sistema agroalimentar de hoje – inclusive do Brasil – os alimentos deixaram de ser comida. Viraram mercadoria. Existem não para sustentar pessoas, mas para dar lucro às empresas do agronegócio e às proprietárias dos grandes supermercados. Amanhã vamos votar. Para presidente da República e para governador de treze Estados e do Distrito Federal. Alguma vez qualquer candidato mostrou-se preocupado com os que não têm comida? Eles não sabem disso ou não se interessam?
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Publicado originalmente em 25 de outubro de 2014

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